Economia & Mercados
08/10/2021 12:14

Especial: pandemia, inflação, gargalos e outros riscos ameaçam recuperação global


Por Gabriel Bueno da Costa

São Paulo, 05/10/2021 - A disseminação das vacinas contra a covid-19, ainda que com desigualdades evidentes na distribuição, ampara a atual retomada econômica global. Vários fatores, porém, ameaçam essa melhora, inclusive a falta de imunizantes em parte considerável do mundo, o que pode resultar no surgimento de cepas mais perigosas do vírus. A persistência da inflação, o risco de uma crise energética mundial, gargalos na cadeia produtiva, eventos climáticos extremos como o furacão Ida, que prejudicou o setor de petróleo na Costa do Golfo dos Estados Unidos, e outros fatores mais pontuais, como a situação da endividada incorporadora chinesa Evergrande, lançam dúvidas sobre o processo de recuperação.

A perspectiva de avanço continuado da vacinação contra a covid-19 e notícias sobre o surgimento de remédios promissores, como os anunciados recentemente por Merck e AstraZeneca, são certamente fatores positivos, mas especialistas e a Organização Mundial de Saúde (OMS) têm reforçado alertas de que os ganhos podem ser revertidos com a desigualdade vacinal. Populações com pouca imunização veem o vírus circular mais, dando margem para o surgimento de cepas mais perigosas. Se para os mais pobres o quadro é muito pior, mesmo em países ricos como os EUA e a França o avanço na vacinação perde fôlego, com parcela considerável da população reticente ou mesmo recusando os imunizantes, o que retarda o processo de normalização econômica.

A inflação também pode ser um freio da retomada. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) informou nesta terça-feira que a inflação ao consumidor nos países do grupo acelerou a 4,3% em agosto, na comparação anual, mantendo a tendência vista desde dezembro de 2020. Vários dirigentes do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) têm alertado para o fato de que os preços podem seguir elevados por mais tempo do que o antes esperado nos EUA, embora continuem a esperar perda de fôlego à frente. Um dirigente do Banco Central Europeu (BCE), François Villeroy de Galhau, disse hoje ver risco de que o BCE não consiga cumprir sua meta de inflação ao consumidor de 2% no médio prazo. "Estamos vigilantes sobre quanto tempo duram as dificuldades na cadeia de abastecimento e não vamos fingir que sabemos hoje qual será a inflação em 2023", disse ele, durante reunião com parlamentares franceses, segundo a agência Reuters. Na mesma linha, o presidente do Fed de Saint Louis, James Bullard, disse nessa semana temer que ocorra uma mudança de mentalidade nos EUA, com as empresas mais dispostas a repassar aumentos de custos para seus produtos, alimentando o avanço dos preços.

Entre os emergentes, a inflação também perdura. O Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês) estimou em 30 de setembro que as pressões nessa frente devem atingir o pico em muitos emergentes nos próximos seis meses. O IIF previu com isso que a maioria desses países está "longe do fim do ciclo" de aperto monetário. A perspectiva de aperto também por bancos centrais de nações desenvolvidas, para conter o movimento dos preços, pode representar um freio importante na atividade. Hoje, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, alertou que os impactos de um possível "rápido aumento dos juros" provocado por uma alta "sustentada" das expectativas inflacionárias, que seriam especialmente desafiadores a nações emergentes com altos níveis de dívida pública.

Além dos problemas nas cadeias de produção na retomada, a inflação é em parte puxada pelo setor de energia. A postura de retomada apenas gradual da oferta pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (Opep+) tem apoiado os preços. Houve ainda problemas na oferta de gás na Europa, que continuam e encarecem os preços desse item crucial para a calefação no continente. Nos EUA, a passagem do furacão Ida na região produtora da Costa do Golfo prejudicou o trabalho no setor, que vai sendo retomado gradualmente.

A High Frequency Economics destaca em relatório nesta semana episódios de falta de alguns produtos alimentícios nas prateleiras de mercados dos Estados Unidos. Embora a consultoria diga que por enquanto vê apenas evidências anedóticas disso, ela afirma também que está preocupada com interrupções na cadeia de alimentos e a carência de alguns produtos. Preços mais altos de alimentos acabam por conter gastos em outras frentes, aponta a HFE, que se diz mais preocupada com episódios pelo mundo da falta de alguns alimentos, como no Reino Unido - nesse caso em parte ainda pelos efeitos da saída da União Europeia (Brexit).

Ao olhar o quadro na zona do euro, a Pantheon também vê riscos de baixa para a economia. Ela cita a ameaça de uma nova onda da covid-19, um choque sobre a renda diante de preços mais altos de gás e também o contágio da desaceleração prevista para a China, todos fatores presentes neste quarto trimestre, alerta.

O quadro fiscal é outra potencial fonte de preocupações. Os gastos extraordinários para lidar com a pandemia pode se traduzir à frente em preocupações com a trajetória fiscal em vários países. O próprio FMI chamou a atenção sobre esse ponto hoje. Nos EUA, o impasse em Washington para se elevar o teto da dívida é um risco presente, com alertas seguidos da secretária do Tesouro, Janet Yellen, sobre a chance de recessão caso os legisladores não cheguem a um acordo a tempo sobre o tema.

Ainda nos EUA, a política migratória da era Donald Trump, por ora mantida na administração atual com o argumento da pandemia, provoca problemas de falta de mão de obra em algumas funções. Há ainda um debate sobre o quão rápido a taxa de participação na força do trabalho voltará a subir, conforme o país volta a funcionar a pleno vapor, com alguns economistas e mesmo dirigentes do Fed temendo que esse processo de voltar a vincular trabalhadores e vagas demore mais do que o previsto. No Reino Unido, a HFE atribui os efeitos do Brexit como em parte responsáveis por problemas no abastecimento, após, por exemplo, muitos motoristas de transportadoras terem perdido o status para viver legalmente no país.

Por fim, mas não menos importante, há dúvidas sobre a China. O país também pode viver uma crise energética, apontou o Citi, com cortes abruptos no fornecimento e políticas de controle. O setor imobiliário local também enfrenta turbulências, coma a crise da endividada incorporadora Evergrande. Outra empresa do setor, a Fantasia, teve o rating rebaixado hoje pela Fitch para RD (default seletivo) após não pagar um bônus nesta semana. O Julius Baer cortou sua projeção para crescimento da China neste ano a 7,9%, enquanto o Citi a reduziu para 8,2%. O Wells Fargo também espera avanço de 8,2% em 2021, mas vê pressão de baixa. Investidas regulatórias recentes no país também acenderam o alerta em economistas privados. Para o Nomura, o crescimento chinês será de apenas 7,7% neste ano, diante dos choques na oferta.

Contato: gabriel.costa@estadao.com
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