Por Julia Lindner
Brasília, 29/07/2019 - O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, disse que o presidente Jair Bolsonaro tem "traços de caráter graves em um governante: a crueldade e a falta de empatia". Em nota, Santa Cruz reagiu à declaração de Bolsonaro sobre seu pai, Fernando, que desapareceu na ditadura militar. Para o presidente da OAB, as falas do presidente da República sobre o caso são "inqualificáveis".
"O mandatário da República deixa patente seu desconhecimento sobre a diferença entre público e privado, demonstrando mais uma vez traços de caráter graves em um governante: a crueldade e a falta de empatia. É de se estranhar tal comportamento em um homem que se diz cristão. Lamentavelmente, temos um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro - e debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos", escreveu Santa Cruz.
Embora o presidente Jair Bolsonaro diga que pode "contar a verdade" sobre o desaparecimento de Fernando Santa Cruz, o presidente da OAB afirmou que sua avó faleceu, aos 105 anos, sem saber como o filho foi assassinado.
"Meu pai era da juventude católica de Pernambuco, funcionário público, casado, aluno de Direito. Minha avó acaba de falecer, aos 105 anos, sem saber como o filho foi assassinado. Se o presidente sabe, por 'vivência', tanto sobre o presente caso quanto com relação aos de todos os demais 'desaparecidos', nossas famílias querem saber", disse o presidente da OAB.
Santa Cruz afirmou, ainda, que "o que realmente incomoda Bolsonaro é a defesa que fazemos da advocacia, dos direitos humanos, do meio ambiente, das minorias e de outros temas da cidadania que ele insiste em atacar". "Temas que, aliás, sempre estiveram - e sempre estarão - sob a salvaguarda da Ordem do Advogados do Brasil", completou.
O presidente da OAB destacou que sente orgulho do pai e que o que une as duas gerações "é o compromisso inarredável com a democracia". "Por ela estamos prontos aos maiores sacrifícios. Goste ou não o presidente."
Felipe é filho de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, integrante do grupo Ação Popular (AP), organização contrária ao regime militar. Ele foi preso pelo governo em 1974 e nunca mais foi visto. Em 2012, no livro “Memórias de uma guerra suja”, o ex-delegado do Dops Cláudio Guerra revelou que o corpo de Fernando foi incinerado no forno de uma usina de açúcar
Mais cedo, Bolsonaro falou sobre o pai de Felipe Santa Cruz ao questionar a atuação da OAB durante as investigações sobre Adélio Bispo, responsável pela facada contra o presidente no ano passado, na campanha eleitoral. Adélio foi considerado inimputável pela Justiça por transtorno mental. O presidente não recorreu.
"Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados (de Adélio)? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB?", indagou Bolsonaro. "Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar às conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro", declarou Bolsonaro.
Sobre o caso, o presidente da OAB disse que a instituição defende a "garantia do sigilo da comunicação entre advogado e cliente". "Garantia que é do cidadão, e não do advogado. Vale salientar que, no episódio citado na infeliz coletiva presidencial, apenas o celular de seu representante legal foi protegido. Jamais o do autor, sendo essa mais uma notícia falsa a se somar a tantas."