Economia & Mercados
03/12/2021 10:21

Especial: Blockchain vira aliado para garantir cumprimento de práticas ESG


Giordanna Neves, Shagaly Ferreira, Gabriel Faleiro, Bruno de Castro e Thiago Conceição, especiais para o Estadão/Broadcast

São Paulo, 02/12/2021 - Só se fala em ESG no mundo corporativo. Mas quanto do discurso é colocado em prática? As companhias seguem, de fato, condutas ambientais, sociais e éticas (do inglês "Environmental, Social and Governance”) ou fazem de conta? Para atestar a legitimidade dos compromissos com a agenda ESG, a tecnologia blockchain vem sendo utilizada por fintechs na oferta de serviços de registro, rastreabilidade e transparência. A base é a plataforma blockchain, que garante a transparência e a segurança das ações, como se fosse um cartório.
O sistema de registro, que se popularizou com o surgimento do Bitcoin em 2008, opera em cima de uma corrente por blocos de informações. Os dados são imutáveis e auditáveis. Essa transparência se alinha aos princípios corporativos de governança no mundo ESG. Em resumo, blockchain serve como ferramenta para validar informações relativas a boas práticas de sustentabilidade, impacto social e ética corporativa, fomentando a transparência nas empresas.

A tecnologia permite tornar públicas as práticas de responsabilidade social, ética e corporativa, de forma que não sejam contestadas, de acordo com o especialista Keiji Sakai, ex-CEO da R3 no Brasil, que foi responsável pela coordenação do grupo de trabalho sobre blockchain na Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

O projeto Glória é um conjunto de algoritmos no combate a violência contra a mulher, em que as denúncias ficam imutáveis, registradas em blockchainINSTITUTO GLÓRIA/DIVULGAÇÃO
“O blockchain garante que, a partir do momento que alguma coisa foi certificada e publicada dentro da rede, ela é imutável, para o bem ou para o mal. De toda forma, traz mais credibilidade”, afirma Sakai.

REDE DE PROTEÇÃO A DADOS E MULHERES

No blockchain, casos de denúncia a violência à mulher são registrados de forma imutável e levados ao poder público. A co-fundadora e estrategista de marketing da fintech de governança de dados Blockforce, Elisa Cardamone, conta que planeja parcerias para fomentar alternativas de blockchain com o poder público e terceiro setor. Nesse sentido, atua nas bases de uma atendente de inteligência artificial para ajudar as mulheres que sofrem abuso e violência doméstica, a Glória, de EusouaGloria.com.br.

A Glória funciona como um canal de interação com as vítimas, atuando com orientações voltadas para cada ocorrência. A identidade da vítima é mantida anônima e os dados coletados sobre os incidentes são registrados na blockchain.

A presidente do Instituto Glória, Cristina Castro-Lucas, reforça a importância do blockchain em proteger dados relacionados com as denúncias de violência contra as mulheres. “Por se tratar de denúncias e relatos, o vazamento de informações por ações de hackers pode custar vidas”, diz. Quando uma mulher conta uma história para a Glória, a sua fala é transcrita e o áudio deletado, a fim de garantir sua segurança. “Aí entra o blockchain, pois a gente trabalha com bolsões de palavras que são diluídos em grupos de palavras, os nossos blocos de dados. Isso traz proteção para as informações”, diz Cristina.

"O trabalho visa criar um canal de comunicação digital eficaz e confiável para a coleta de dados sobre violência contra mulheres no Brasil”, completa Elisa, da Blockforce, lembrando do potencial de auxiliar no planejamento de políticas públicas com maior assertividade. Para ela, a tendência é que o setor público busque cada vez mais soluções com o uso do blockchain.

Enquanto as empresas começam a entender e a se acostumar com o blockchain em suas atividades, aparece um novo termo: ChainGrid. Trata-se de uma espécie de evolução do blockchain quanto a serviços no ambiente de negócios, que busca facilitar a operação de redes de dados em nuvem, como explica André Salam, cofundador da Blockforce.

A ChainGrid foi desenvolvida para otimizar a modelagem e a implementac¸a~o de redes descentralizadas e rastrea´veis para dados e ativos em cadeia. “Com isso, a gente consegue mapear fornecedores para garantir uma linha de produção com responsabilidade socioambiental, desde a sua origem até o consumidor final”, diz Salem.

AUDITORIA E RASTREABILIDADE

Uma etapa clássica da governança corporativa, o processo de auditoria, por exemplo, ganha bastante com o blockchain, cita Adriano Nunes, cofundador da BlockC. Uma checagem que tradicionalmente levaria cerca de três semanas, segundo ele, pode ser realizada em quatro minutos e a um custo menor. “Em vez de colocar uma equipe para ficar levantando documentos, a plataforma tem um ‘robozinho’ que vai lá no arquivo público e acha o dado. Não tem questionamento”, afirma.

A BlockC atua ainda na emissão de certificados de energia limpa, no acompanhamento de títulos verdes - os green bonds -, e na auditoria de créditos de carbono. Aqui, o objetivo é o combate ao “greenwashing”, a propaganda enganosa de sustentabilidade. De acordo com Nunes, a tecnologia blockchain pode legitimar o discurso ambiental no mundo corporativo. “O blockchain diminui a possibilidade de fraudes e greenwashing, porque os documentos originais que geram a emissão de carbono estão registrados.”

É o caso da fabricante de painéis de madeira e louças e metais sanitários Dexco (antiga Duratex), que procurou a fintech para melhor visualização de métricas e valores dos gases de efeito estufa e o engajamento de parceiros na redução das metas de emissão de carbono em toda a cadeia de valor.

De acordo com Giancarlo Tomazim, gerente de Sustentabilidade e Responsabilidade Social da Dexco, a empresa criou um processo de inventário de carbono “rápido e fidedigno por meio da tecnologia blockchain”. Esse método consiste na compilação de dados sobre as emissões de gases do efeito estufa geradas na cadeia de valor de uma empresa, e funciona como um mecanismo de transparência, que pode orientar de forma mais adequada ações para mitigar os danos à atmosfera.

Segundo Tomazim, a companhia pretende ainda utilizar a ferramenta no inventário de remoções florestais de fornecedores e parceiros, ou seja, mapear a área de vegetação afetada por suas atividades por meio do blockchain.

A Toke Invest, mistura de proptech e fintech para compra e venda de propriedades imobiliárias, e cliente da fintech Criptonomia, buscava uma solução para melhoria dos processos internos. “Nossa companhia é auditada e apresenta relatórios públicos periódicos. A utilização de blockchain otimizou os critérios de rastreabilidade e de confiabilidade dos dados da controladoria, trazendo eficiência operacional com transparência para o mercado”, afirma o CEO da Toke, Rafael Felcar.

“É como se a gente criasse um seguro para as empresas, para diminuição de riscos”, completa o cofundador e diretor de operações da Criptonomia, Antonio Hoffert. Ele defende ainda uma camada a mais de segurança, que seria a tokenização, ou seja, a criação de ativos digitais que representam outros ativos, virtuais ou reais. “A tokenização é o presente e o futuro da governança. Quando você tokeniza, cria uma camada de governança mais transparente.”

BLOCKCHAIN NA FAVELA

A tecnologia blockchain está por trás da elaboração da [BVM]12, uma bolsa de valores para startups de tecnologia de impacto social. Em estágio atual de desenvolvimento, a nova bolsa deve fazer suas primeiras captações em março de 2022, segundo previsões do fundador do Banco Maré e mentor do projeto, Alexander Albuquerque. “A forma segura de utilização do blockchain vai atrair muito mais investidores”, diz o idealizador da fintech, que surgiu como plataforma de investimentos em 2016 no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, para atender a população desbancarizada de comunidades.

A [BVM]12 surge com o objetivo de atrair mais investimentos às startups que desenvolvem soluções para problemas da população de baixa renda. “Sentimos na pele o que os moradores de favela passam na hora que vão pedir um crédito. A partir dessa dor e da realidade de outras startups, surgiu a ideia de lançar essa bolsa de valores no maior complexo de favela do Brasil”, conta Albuquerque.

Quanto às aplicações da tecnologia, ele destaca a guarda dos dados dos investidores de forma segura, registrando todas as transações e impedindo que sejam alteradas, e ressalta o papel do blockchain na prevenção à lavagem de dinheiro.
Para ver esta notícia sem o delay assine o Broadcast+ e veja todos os conteúdos em tempo real.

Copyright © 2024 - Todos os direitos reservados para o Grupo Estado.

As notícias e cotações deste site possuem delay de 15 minutos.
Termos de uso