Economia & Mercados
29/07/2022 19:22

Especial: Possível superávit primário em 2022 será 'soluço' e déficit deve voltar, dizem analistas


Por Eduardo Rodrigues e Lorenna Rodrigues

Brasília, 28/07/2022 - Enquanto a equipe econômica acredita na possibilidade de entregar um superávit primário nas contas do Governo Central em 2022, especialistas apontam que o resultado positivo pode ser apenas "um soluço" na trajetória de déficits contínuos desde 2014. Com uma economia mais fraca e uma menor demanda global por commodities em 2023, as contas devem voltar ao vermelho já no primeiro ano do próximo governo.

Estipulada ainda na primeira metade do ano passado, a meta fiscal para 2022 permite um rombo enorme, de até R$ 170,5 bilhões nas contas do Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social. Mas, com recordes sucessivos na arrecadação federal e o aumento do recolhimento de dividendos das estatais, o Ministério da Economia previu um déficit de R$ 59,354 bilhões no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas publicado na semana passada.

Nesta semana, porém, o secretário especial de Tesouro e Orçamento da pasta, Esteves Colnago, foi além e disse esperar até mesmo um resultado superavitário neste ano, já que as projeções para as contas públicas melhoram a cada bimestre, diante do aumento nas receitas. Se isso ocorrer, será o primeiro resultado positivo do governo central em oito anos, uma "entrega" do ministro da Economia, Paulo Guedes, com três anos de atraso - na campanha, ele prometeu zerar o déficit no primeiro ano de governo.

No primeiro semestre, a arrecadação federal somou R$ 1,089 trilhão, o maior volume para o período desde o início da série histórica, em 1995. O montante representa um avanço real de 11% na comparação com os primeiros seis meses do ano passado.
Ainda assim, o governo pediu que estatais antecipem o pagamento de dividendos. O principal objetivo é garantir que os gastos extras trazidos pela PEC Kamikaze sejam bancados por receitas extras, incluindo aí os repassados pelas estatais.

Somente o pacote eleitoral de redução de tributos e aumento de benefícios sociais terá um impacto primário de R$ 57,7 bilhões neste ano - sendo R$ 16,5 bilhões na desoneração dos combustíveis e R$ 41,2 bilhões com a ampliação do Auxílio Brasil e outros vouchers que serão pagos até dezembro.

Além disso, o governo quer reforçar o caixa para ajudar a gestão da dívida e os percalços que enfrentará neste resto de ano eleitoral. E quer, com a ajuda das estatais, conseguir entregar o "bônus" de fechar o mandato de Jair Bolsonaro com as contas no azul.

"Quando a gente observa a evolução das contas no curto prazo, de fato o desempenho tem sido liderado por uma recuperação das receitas, principalmente dos royalties da exploração do petróleo e de dividendos de estatais. A questão é o quão temporário vai ser o choque de commodities. Na nossa visão, esse é um efeito de curto prazo, e o choque pode ficar concentrado em 2022", avalia a diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Vilma Pinto.

Para a analista da Tendências Consultoria, Juliana Damasceno, além do boom das commodities, boa parte das receitas atípicas que reforçam o resultado fiscal deste ano também está relacionada com a alta da inflação. Segundo ela, se o governo não tivesse realizado tantas desonerações amplas e não focalizadas na primeira metade do ano, poderia haver um superávit de cerca R$ 54 bilhões em 2022.

"A equipe econômica abriu mão de tanta receita dizendo que teríamos recolhimentos extraordinários e agora seguimos buscando novas receitas nos dividendos. E não faltam receitas, que são recorde. Nosso problema é na qualidade do gasto. Basta lembrar que temos o menor investimento federal da história e vários ministérios correm risco de shutdown", destaca.

Melhor que o previsto

A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023 foi aprovada pelo Congresso Nacional prevendo novos déficits para o Governo Central nos anos à frente. No próximo, um rombo de R$ 65,9 bilhões, seguido de um saldo negativo de R$ 27,9 bilhões em 2024. Apenas em 2025, as contas federais voltariam para o azul, com superávit de R$ 33,7 bilhões.

No último Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), a projeção da IFI para o déficit primário de 2022 passou de R$ 49,9 bilhões para R$ 40,9 bilhões. A instituição projeta um superávit de R$ 1,4 bilhão para o ano que vem, mas esse desempenho tende a piorar em decorrência da desaceleração da economia global.

"Existe agora um risco de recessão para 2023. Também é preciso saber se o próximo governo irá conseguir reduzir os auxílios a partir de janeiro ou se manterá o novo patamar de pagamentos - dentro ou fora do teto de gastos. Também persiste a pressão por reajustes do funcionalismo no ano que vem. E, olhando para o médio prazo, há a questão do passivo de precatórios que deverão voltar a ser pagos integralmente a partir de 2027, colocando outro risco para se obter primários positivos naqueles anos", alerta Vilma.

Já Juliana chama a atenção para o desalinhamento entre as políticas monetária e fiscal. Enquanto o Banco Central pisa no freio para conter a inflação, a economia e a política do próximo governo devem continuar pisando no acelerador das despesas.

"Os benefícios têm méritos, são bem focalizados, mas, antes de tomar essa decisão, o governo já havia optado por soluções erradas que renovam o estresse fiscal. Estamos há anos em situação constante de preocupação fiscal, mesmo com o bom resultado deste ano. Basta olhar o alto custo de emissão da dívida. O mercado já está vendo que os números não são sustentáveis no longo prazo", avalia.

Recuperação

Soluço ou não, integrantes da equipe econômica defendem que é "inegável" que o resultado de 2022 demonstra uma recuperação surpreendente nas contas federais. "Não podemos negar a acentuada melhora do resultado primário, tendo em vista que a previsão de déficit, conforme a meta estabelecida para este ano, é de R$ 170 bilhões", disse uma fonte ao Broadcast.

Além da arrecadação "surpreendente", auxiliares de Paulo Guedes também atribuem ao teto de gastos parte do resultado, já que, mesmo com furos para acomodar precatórios e benefícios em ano eleitoral, a regra foi responsável por segurar o crescimento de despesas como a de pessoal, custeio e investimentos.

A avaliação é que grande parte dessa arrecadação é estrutural, ou seja, continuará em alta nos próximos anos. Mas o que o garantirá uma trajetória fiscal sustentável é justamente a manutenção do teto e a criação de novas receitas.

Uma das principais "bombas" à vista é a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, prometida tanto pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está em primeiro lugar nas pesquisas, quanto pelo segundo colocado, o atual presidente Jair Bolsonaro. "Não tem mágica. Há um limite para aumento de despesa obrigatória, se ultrapassá-lo, começa a gerar problema", completa a fonte.

Contato: eduardor.ferreira@estadao.com e lorenna.cardoso@estadao.com
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