Política
30/09/2022 20:18

Especial: Congresso fragmentado contém temor externo sobre risco de esquerda radical no Brasil


Por Aline Bronzati, correspondente, e Altamiro Silva Junior

Nova York e São Paulo, 30/9/2022 - O Brasil pode reforçar a guinada à esquerda na América Latina no próximo domingo, dia 2. Mas desta vez, a "maré rosa", como ficou conhecido o movimento original, na década de 2000, tem preocupado menos os analistas estrangeiros. A leitura é a de que um Congresso fragmentado, que impede a aprovação de medidas mais extremas pelos presidentes, e uma mudança de postura dos líderes eleitos com erros aprendidos no passado devem impedir uma postura mais radical desses ao chegarem ao poder tanto no País como em outras grandes economias da região, como Chile e Colômbia.

A situação fiscal das economias, deteriorada pelos gastos sociais feitos durante a pandemia e agravada pela guerra na Ucrânia, contém um ímpeto mais radical. No Brasil, a visão dos analistas estrangeiros é de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mais bem posicionado nas pesquisas, não vai aumentar os gastos públicos de forma desenfreada, tentando buscar uma credibilidade para a trajetória das contas públicas.

Apesar da queda recente da relação entre a dívida bruta e o Produto Interno Bruto (PIB), indicador da solvência de um país e um dos números mais monitorados pelos economistas e agências de rating, o Brasil está pior que seus pares internacionais. O dado mais recente, de agosto, mostra o índice brasileiro em 77,5% enquanto a média dos emergentes é de 67%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Tanto Lula quanto seu rival, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sabem que, quem vencer, vai precisar reafirmar a responsabilidade fiscal do novo governo, avalia o analista do banco francês Natixis, Benito Berber. E um dos diferenciais do Brasil em relação aos seus vizinhos da América Latina é que, ao contrário de Chile e Colômbia, onde havia uma clara divisão de candidatos pró-mercado com outros antimercado, no País não há essa diferença.

"O retorno da América Latina ao lado esquerdo do espectro político tem sido uma reminiscência da 'maré rosa' original - a primeira vez que a política regional foi dominada por governos de esquerda nas décadas de 1990 e 2000", diz o economista do Wells Fargo, Brendan McKenna, em relatório.

Ele lembra que a ascensão do ex-presidente Lula preocupou os mercados em 2002. Seus governos, porém, não foram especialmente "radicais" e tiveram um "grau razoável" de prudência fiscal. "Embora o manifesto do partido de Lula sugira uma plataforma política radical, acreditamos que ele será mais moderado", avalia McKenna, mencionando a futura composição de governo sugerida pelo candidato e a atual situação fiscal do País.

A percepção dos investidores estrangeiros é que Lula deve capitanear apenas um pequeno salto à esquerda, repetindo os feitos de gestões anteriores. Assim, esperam que em um eventual terceiro mandato, o petista seja pragmático na frente fiscal, avance em reformas, como a tributária, além de manter a economia aberta e a independência do Banco Central. Esta semana, o petista elogiou publicamente o presidente do BC, Roberto Campos Neto.

A própria escolha do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) como vice é uma sinalização de um Lula mais moderado, avalia a analista da consultoria internacional TS Lombard, Elizabeth Johnson. Outro indício de que o petista não deve revogar reformas recentemente aprovadas foi o apoio demonstrado pelo ex-presidente do BC e ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que pode ter algum cargo em um eventual governo do petista, embora não de ministro da pasta.

Ontem, no último debate antes das eleições, Lula deu mais um sinal, quando respondeu uma pergunta sobre seu plano para estatais ineficazes, feita pela senadora Simone Tebet (MDB). "Se tiver uma estatal que não presta para nada, acabou", afirmou o petista.

Bomba fiscal

Neste contexto, analistas estrangeiros esperam que, caso Lula seja eleito, seu ministro da área econômica tenha um perfil mais "pró-mercado" e com experiência na área. E será preciso um bom nome e uma boa equipe para desarmar a "bomba fiscal" armada recentemente para 2023 com o aumento de gastos recentes por Jair Bolsonaro e ainda cortes de impostos para alguns setores da economia. "O aumento maciço nos gastos do governo este ano significa que o próximo governo terá a necessidade de desarmar uma bomba-relógio fiscal", diz Johnson, da TS.

O desfecho das urnas também deve servir de termômetro para uma eventual gestão de Lula. Nas últimas semanas, bancos e consultorias internacionais têm traçado diversos cenários, antevendo não só os impactos nos preços dos ativos brasileiros bem como na condução da economia brasileira a partir de 2023.

Para a Pantheon Macroeconomics, de Londres, uma margem maior pode evitar uma contestação por parte de Bolsonaro, mas se Lula vencer de "forma esmagadora", poderia servir de "cheque em branco" para ele implementar fortes políticas de esquerda. "Esperamos uma abordagem ortodoxa durante sua administração; ele vai tentar não perturbar os partidos de Centro em um Congresso profundamente fragmentado", afirma o economista-chefe da Pantheon para a América Latina, Andres Abadia.

Por ora, a expectativa majoritária no exterior é a de que as eleições brasileiras caminhem para o segundo turno, embora analistas não descartem uma definição já neste domingo. "Provavelmente iremos para o segundo turno, mas pesquisas de opinião sugeriram que as eleições podem se resolver no primeiro. Isso significa que o Brasil provavelmente se tornará a última grande economia na América Latina a ver uma mudança para a esquerda nos últimos anos", disse o economista-chefe da Capital Economics para mercados emergentes, William Jackson, em conversa com investidores, nesta semana.

Contatos: aline.bronzati@estadao.com e altamiro.junior@estadao.com
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