Economia & Mercados
10/05/2022 17:36

Especial: Inflação deve ser centro do debate econômico das eleições, dizem grandes economistas


Por Bárbara Nascimento e Cícero Cotrim

São Paulo, 10/05/2022 - As provocações feitas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente Jair Bolsonaro nos últimos dias, referentes à inflação alta no país, são um prenúncio do que deve ser visto até outubro, na corrida eleitoral. O Broadcast procurou renomados economistas brasileiros, que ocuparam postos nas equipes econômicas de governos anteriores. Eles são unânimes: a inflação e os estragos feitos por ela na renda e no poder de compra do brasileiro devem ocupar o centro do debate econômico-eleitoral.

Não à toa. O Brasil tem, pela primeira vez desde o início do Plano Real (descontado o ano de 1994), um ano eleitoral com o IPCA começando em dois dígitos. Segundo o sistema Sidra, do IBGE, a inflação acumulada em 12 meses em janeiro de 1998 era de 4,73%. Em 2002, 7,62%. No primeiro mês de 2006 e 2010, 5,70% e 4,59%, respectivamente. Em janeiro de 2014 e de 2018, o acumulado era de 5,99% e 2,86%.

Já este ano, a alta acumulada nos preços em 12 meses até janeiro era de 10,36% - e subindo. Tanto que, no último dado mensal disponível, referente a março, a inflação acumulada era de 11,3% - e deve superar o nível de 12% pela primeira vez desde 2003 na leitura de abril, conforme a mediana do Projeções Broadcast. Levantamento feito pelo Broadcast mostra ainda que este ano foi fora da curva na comparação com outros períodos eleitorais: em média, a inflação em anos eleitorais dentro do Plano Real foi de 5,57%, contra 6,28% em anos sem eleição.

"O tema da economia será relevante nessas eleições, como foi em outras. E dentro do tema da economia, a inflação será o mais importante. A inflação costuma derrubar a popularidade de presidentes no Brasil, pelo efeito na renda, pelas incertezas que causa, pelo impacto no crescimento da economia e do emprego", aponta o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega.

Nas duas últimas semanas, Lula tem alfinetado Bolsonaro, culpando o atual chefe de Estado pelo atual nível da inflação. "Vocês leram no jornal ontem que a inflação do mês foi a maior em 27 anos. Significa que quando a inflação cresce, o salário diminui; quando a inflação cresce, o carrinho de compras diminui", disse Lula em evento na semana passada, ao que foi retrucado por Bolsonaro como "cara de pau". O presidente atribuiu a alta nos preços à política de restrição de movimento na pandemia.

Um dos pré-candidatos apontados como terceira via, Ciro Gomes também provocou o governo federal sobre a inflação e alegou que o aumento nos preços está ligado à alta dos combustíveis e, consequentemente, à política da Petrobras. O assunto claramente incomoda o presidente Jair Bolsonaro, que foi intenso nas críticas à estatal, que apresentou crescimento do lucro de 4.000%, de quase R$ 45 bilhões no primeiro trimestre, e chegou a dizer que um reajuste de combustíveis "pode quebrar o Brasil". "Petrobras, estamos em guerra. Petrobras, não aumente mais o preço dos combustíveis. O lucro de vocês é um estupro, é um absurdo. Vocês não podem aumentar mais os preços dos combustíveis", disse ele, em um apelo à estatal.

Nóbrega lembra que inflação é assunto delicado para o brasileiro, que ainda tem muito recente a memória inflacionária dos anos 80 e início dos anos 90. "Com o agravamento da inflação a partir da segunda metade dos anos 80, começou-se a perceber que inflação era um mal. E passou a ser mais intensa entre segmentos mais pobres da população, que não têm como se defender da inflação. A partir do Plano Real, quando inflação sobe, a popularidade do presidente sofre. Isso ficou claro no período da presidente Dilma", aponta.

Para o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, a inflação tem assustado globalmente mas, aqui, além do componente histórico, o Brasil sofre mais por ter um quadro fiscal e econômico fragilizado. Fraga lembra que a última vez em que a inflação preocupou durante um ano eleitoral foi em 2002, ano em que o ex-presidente Lula foi eleito pela primeira vez. Naquela época, o IPCA terminou o ano acumulando alta de 12,53%.

Para ele, contudo, a situação hoje é mais delicada. "Em 2002 houve choque de confiança. Havia um receio enorme do que o PT faria no poder, o câmbio foi de R$ 2 para R$ 4 e a inflação subiu basicamente em função disso. Depois, quando o governo agiu com prudência, esse processo se reverteu. Hoje é diferente porque a situação fiscal é muito frágil".

Para os economistas, contudo, a abordagem ao assunto pelos candidatos deve girar muito mais em torno dos efeitos da inflação sobre o bolso do brasileiro do que em torno da apresentação de propostas para controlá-la. Até porque, lembram, o instrumento da política monetária, com o aumento dos juros até a atual casa dos 12,75% pelo Banco Central, já está sendo utilizado e deve trazer a inflação para um nível mais comportado até outubro.

"Estaremos vivendo, perto da eleição, muito mais a consequência de ter tido uma inflação muito alta durante período relativamente grande do que a inflação corrente muito alta. Porque o BC começou a subir juros há bastante tempo e já está no final do processo. O problema não é a inflação estar no pico agora, o problema é que se acumulou defasagem em termos de renda em relação ao preço dos produtos", disse o ex-diretor do Banco Central Luiz Fernando Figueiredo, emendando: "Essa inflação tem um efeito nas pessoas, nos eleitores, na população".

Figueiredo destaca que o desgaste na renda só não foi maior por ter sido parcialmente compensado pelos auxílios dados nos últimos dois anos. Um deles, o Auxílio Brasil de R$ 400, foi tornado permanente este ano por pressão do presidente Bolsonaro.

Forças opostas

O medo de que a inflação atrapalhe o rumo das eleições é tão forte no governo que tem levado a um incongruência entre as políticas monetária, de aperto de juros, e fiscal, de estímulo, aponta o ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC Alexandre Schwartsman.

"Temos um quadro em que o BC está pisando no freio na política monetária e o governo está pisando no acelerador da política fiscal. Não é uma questão de coerência macroeconômica, até porque não é isso que estão buscando: estamos analisando esse cenário única e exclusivamente pelo prisma da chance de reeleição", resume Schwartsman.

Enquanto eventuais efeitos da renúncia tributária sobre a inflação dependeriam de um repasse incerto da redução de custos para os preços ao consumidor, o economista alerta que a deterioração das contas públicas este ano praticamente contrata uma inflação mais alta em 2023, com aumento dos prêmios de risco sobre o real e uma eventual necessidade de reverter as desonerações de 2022.

"Isso vai contratar riscos inflacionários por vários canais: não só porque pode precisar subir impostos em 2023, o que adiciona diretamente um preço na inflação, mas também porque acentua o desequilíbrio fiscal e leva a uma valorização maior do dólar do que ocorreria com as contas em ordem", diz Schwarstman. "O governo está contratando uma inflação mais alta em 2023, mas ele não se preocupa: a preocupação é que, no ano que vem, ele pode não ser governo."

Contato: barbara.nascimento@estadao.com e cicero.cotrim@estadao.com
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