Política
29/09/2022 18:11

Eleições 2022/Olhar internacional: Entusiasmo do investidor diminui apesar de maior polarização


Por Aline Bronzati, correspondente

Nova York, 28/09/2022 - Investidores estrangeiros monitoram e estão preocupados com o resultado das eleições brasileiras, mas demonstram menos entusiasmo com o pleito apesar do maior grau de polarização frente a 2018. A postura mais contida dos gringos resulta da baixa expectativa quanto a grandes mudanças no contexto político e também na esfera macroeconômica, conforme bancos e consultorias internacionais ouvidos pelo Broadcast, a despeito dos desafios do futuro governo, principalmente, sob a ótica fiscal.

Pesa, sobretudo, o fato de os candidatos que lideram a corrida ao Planalto já serem amplamente conhecidos pelo mercado. De um lado, o atual presidente da República, Jair Bolsonaro. Do outro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que comandou o País por dois mandatos, de 2003 a 2011.

"Os mercados financeiros no Brasil estão relativamente tranquilos. O real caiu, mas esse também é o caso de muitas moedas de mercados emergentes", resume o economista da Capital Economics para mercados emergentes, William Jackson, em entrevista ao Broadcast, justificando o comportamento dos investidores.

Em setembro, o saldo de capital estrangeiro na B3 é negativo em quase R$ 2,3 bilhões, conforme dados da bolsa brasileira. No acumulado do ano até ontem, dia 26, porém, investidores internacionais somavam saldo positivo de R$ 67,879 bilhões. Mais do que a realidade doméstica, os ativos locais têm sido influenciados pelo contexto externo diante do agressivo processo de aperto monetário nas principais economias do mundo para controlar a escalada da inflação, em especial, nos Estados Unidos, na Europa e no Reino Unido, e ainda a guerra na Ucrânia, em seu oitavo mês.

Na visão do Goldman Sachs, o foco dos estrangeiros está "mais contido" frente às eleições de quatro anos atrás. Há duas razões principais. Primeiro, o pleito não deve causar grandes mudanças no mapa político e no equilíbrio de forças no Congresso Nacional. A segunda razão, explica, é que predomina a percepção de que, independente de quem ganhar nas urnas, também não são esperadas alterações significativas nas políticas macroeconômicas de curto prazo e nas perspectivas de reformas.

O gigante de Wall Street atenta, porém, quanto a possíveis impactos mais à frente. "O resultado da eleição pode ter implicações mais profundas no desempenho macroeconômico e no sentimento dos investidores no médio prazo, uma vez que os dois candidatos mais competitivos defendem diferentes visões macro, sobre o papel do Estado, gastos públicos e os motores para crescimento e investimento", afirmam os analistas Alberto Ramos, Sergio Armella, Santiago Tellez e Renan Muta, do Goldman Sachs, em relatório.

Diferentes bancos e consultorias estrangeiros passaram a considerar a possibilidade de um desfecho já no primeiro turno, com base nas últimas pesquisas de opinião, que têm apontado a chance matemática de o ex-presidente Lula vencer no domingo. A visão predominante, porém, é de que a disputa vá para a segunda fase, com o petista como favorito, com base nos variados levantamentos feitos até o momento.

"Esperamos que Lula vença a eleição presidencial de outubro no segundo turno, mas as chances de vitória no primeiro turno estão aumentando", afirmou o Citi, em relatório a clientes, publicado ontem.

Até o momento, somente os Ipec (antigo Ibope) e Datafolha apontam a chance de o petista vencer já no primeiro turno, conforme pesquisas divulgadas nos últimos dias. No entanto, ambos os institutos adotam metodologia de entrevistas pessoais, que tradicionalmente, são mais inclinadas a candidatos da esquerda uma vez que tendem a capturar a opinião de eleitores mais de baixa renda do que as consultas via telefone.

Para o Eurasia Group, as chances de o ex-presidente Lula vencer no primeiro turno são de 20% a 25%. Tal probabilidade, de fato, está aumentando, mas a consultoria de risco político ainda considera esse cenário como "improvável". Em geral, sua aposta majoritária, de 70%, é de que o petista vença as eleições no Brasil

A britânica TS Lombard pondera que uma eventual vitória de Lula no primeiro turno está nas mãos dos eleitores da terceira via. "Os eleitores brasileiros tendem a migrar para os principais candidatos nos dias que antecedem a eleição, então há uma possibilidade real de Lula ser eleito sem um segundo turno", afirmam os analistas Elizabeth Johnson e Wilson Ferrarezi, da TS Lombard.

Caso o pleito vá para o segundo turno, que atualmente é o cenário mais provável, o petista também tende a ser beneficiado, de acordo com bancos e consultorias. Jackson, da Capital Economics, enfatiza o quão decisivo passam a ser os desdobramentos após domingo, quando acontece o primeiro turno, e acredita que o ex-presidente Lula tende a atrair a maioria dos votos que foram para outros candidatos no primeiro turno. "Mas há muito tempo entre os dois turnos de votação e muita coisa pode mudar", avalia, mencionando a reviravolta vista no segundo turno das eleições colombianas.

No contexto internacional, preocupa ainda o risco de o Brasil enfrentar trauma semelhante ao das últimas eleições dos Estados Unidos, quando o ex-presidente Donald Trump questionou a vitória de seu rival, o democrata Joe Biden, diante das frequentes ameaças ao sistema eleitoral brasileiro. Para Jackson, da Capital, há um "risco claro" de isso acontecer, considerando o tempo que o presidente Bolsonaro gastou levantando suspeita de fraudes eleitorais, nunca comprovadas. "Então, há um risco. Eu gostaria de pensar que isso é mais barulho do que algo que realmente poderia acontecer. Mas acho que o risco de o resultado da eleição ser contestado provavelmente é maior do que o de ser aceito de forma silenciosa", afirmou o economista, em webinar sobre as eleições brasileiras.

Desafios vão além do fiscal

Quanto aos desafios do próximo governo, no cerne das preocupações está a situação fiscal do Brasil. Para bancos e consultorias internacionais, o teto de gastos, introduzido em 2016 para recuperar a credibilidade das contas públicas brasileiras, corre sérios riscos de ser substituído no futuro por uma nova âncora fiscal. Isso porque além de ter sofrido mutações desde o início da pandemia, há claros sinais de que ele poderá ser ainda mais desidratado no próximo governo.

O futuro presidente terá de desarmar uma "bomba-relógio fiscal", nas palavras da TS Lombard, que vê a possibilidade de uma espécie de "waiver", ou seja, uma renúncia para 2023 em troca da adoção de uma nova política fiscal confiável no próximo ano. "A reação do mercado dependerá da forma como a regra fiscal muda e se isso é visto como abrindo a porta para déficits orçamentários maiores", diz Jackson, da Capital, acrescentando que o futuro do teto de gastos é incerto, independente de quem vença as urnas.

Mas não são é só a esfera fiscal que deve desafiar o futuro governo. "Espera-se que o próximo presidente enfrente uma série de desafios políticos e econômicos", alertam os analistas do Goldman Sachs.

Do lado econômico, o futuro presidente do Brasil terá de lidar com a escalada da inflação e a agressiva política monetária para contê-la e que restringe o crescimento doméstico e global. Já no front político, o desafio da governabilidade com um Congresso provavelmente fragmentado e ideologicamente diverso. Bancos e consultorias citam ainda a agenda de reformas, dentre elas, tributárias e do funcionalismo público, como medidas essenciais para o Brasil retomar uma trajetória de crescimento sustentável.

"Os principais desafios para o próximo governo são fortalecer a estrutura das contas fiscais e apoiar o investimento necessário para desencadear um ciclo de crescimento socialmente inclusivo sustentável", concluem os analistas do Goldman Sachs.

Contato: aline.bronzati@estadao.com

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